Afinal, como seria um mundo em que ter livros é crime?

Com uma narrativa poética e um clima que evoca um típico episódio da série Black Mirror, o autor nos transporta para um futuro alternativo em que não só esse disparate acontece, como muitos outros absurdos, como o fato de uma pessoa ter sua vida modificada caso seja constatada em seu DNA a presença do gene-C, o gene do crime.

“Era um daqueles períodos da História tão tragicamente adultos que o absurdo só se faz visível aos olhos da infância”

O livro é dividido em três partes: a primeira e a última contadas pelo ponto de vista da pequena Alice, uma criança que tem como ânsia ser sabida, e a segunda pelos olhos de Hilário Pena, estudante universitário que acredita ser vítima de uma conspiração que põe sua liberdade em jogo. Embora, suas histórias estejam separadas por uma distância temporal e geográfica (Hilário é brasileiro, Alice portuguesa), eles possuem duas coisas em comum.

Ambos são abandonados por suas famílias: enquanto Hilário é um jovem órfão tentando encontrar seu lugar no mundo através da amizade com pessoas influentes, Alice é tratada como um verdadeiro estorvo pelos pais e pela irmã. A outra coisa que une tão distintos personagens é o amor pelos livros. Embora essa paixão aconteça em diferentes fases da vida de ambos, ela serve de motor para conduzir esta incrível trama que nos faz refletir sobre a importância dos livros em nossas vidas.

“Como em não poucas ocasiões na História, algumas ideias inicialmente inofensivas, levadas ao extremo, acarretaram sérias mudanças na Humanidade. O mundo lá fora é hoje muito diferente.”

O autor também aborda outras questões nas entrelinhas: a sociedade em que Alice vive é baseada em um sistema conhecido como GATE (sigla para Gene, Alea, Tele e Ego), onde os genes são determinantes para o futuro, em que pessoas têm suas decisões baseadas em aplicativos que escolhem respostas aleatoriamente, e que a obsessão pelo ego faz com que tudo deva se curvar à vontade do indivíduo. É este último que causa a proibição dos livros de papel, uma vez que, por ter um conteúdo imutável, não podem ter suas histórias alteradas ao bel prazer do leitor.

“Consegues entender a magia disso? O que eu posso extrair de universal de uma história, e como essa história fala aos meus sentidos, às minhas angústias, aos meus desejos; enfim, de que forma se comunica com minha vida?”

E eu apenas citei algumas das questões abordadas nesse livro, porque tem muito, muito mais! Mas eu não vou falar demais para não estragar a surpresa de vocês. Mesmo que pequeno em número de páginas, “O Silêncio dos Livros” possui centenas de referências históricas e literárias, e é uma bela ode ao amor por esses instrumentos mágicos que nos transportam para eras e lugares diferentes e que, ao mesmo tempo, nos fazem viajar para dentro de nós mesmos, trazendo a tona nosso verdadeiro eu.

“Palavras nunca são “só palavras”. Há vários níveis de leitura, e o que há de mais importante estará sempre nas camadas profundas. Esse, aliás, é o paradoxo do conhecimento: há de se ir às camadas mais profundas para se elevar ao ápice; há de se ir ao subsolo para atingir o topo da montanha.”

 

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